Mia Couto e seu contar

"Só a lua revela intimidade da nossa morada terrestre.  Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra." Mia Couto

 O projeto Sem Palavras tem como ponto de partida os contos “A menina sem palavra” e “A Luavezinha”, presentes no livro “Contos do Nascer da Terra”, de Mia Couto. A escrita do autor moçambicano nos leva a um espaço povoado por lembranças, ao interior do imaginário de um povo e à conexão com sua ancestralidade. Por imaginário entendemos o repertório de imagens comuns a uma cultura, decorrentes de crenças, histórias, mitos, tipos, conceitos e comportamentos que se configuram numa criação coletiva – a memória de um povo.

A percepção da perda de um imaginário coletivo no qual possamos nos reconhecer como povo – pessoas pertencentes a um mesmo lugar – é uma questão latente da sociedade contemporânea, contexto no qual estamos inseridos. Percebemos essa necessidade de retornar às narrativas antigas como forma de reinventar reflexivamente o mundo em que vivemos e, assim, nos compreender como indivíduos, utilizando a criação poética e a imaginação como propulsoras do viver.

A importância de resgatar os valores ancestrais e de memória nos levou à obra de Mia Couto. Ao produzir um novo modelo de narrativa africana, recriando a língua portuguesa com influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões de seu país, o autor provocou nosso imaginário. Suas histórias trazem em suas estruturas um mergulho na ancestralidade, na memória e, sobretudo, na questão da narrativa, que tem sido a tônica da pesquisa da Penélope Cia de Teatro.

Trata-se, como aborda Walter Benjamin em “O Narrador”, de ressaltar a importância de uma narrativa de memória ligada à transmissão da experiência pessoal, essa tradição retomada e transformada a cada geração, na continuidade de uma palavra transmitida de pai para filho. Queremos olhar novamente para o ato de narrar, como experiência que nos atravessa, nos transforma e nos lança ao reencontro com nossa ancestralidade.